sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Máquina de sorvete

Ela vinha imersa em seus pensamentos. Perdida em suas preocupações. Mundinho frustrante. Não percebeu quando ele atravessou em sua frente. Fugia. Cada vez mais pra dentro. Os degraus acolhedores de suas reclamações, a expulsavam. Era tão cotidiano sentar em frente ao Municipal e ficar chorando as pitangas. A vida passava ali. As vezes acenava pra ela. Mas ela nunca acenava de volta. Não era muito sociável. Não gostava de se misturar, conhecer ou reconhecer. Estava muito ocupada contando as mazelas da sua existência. "Ó tragédia grega que não cessa! Por que não me expulsa desse mundo?", pensava num sorriso torto. Procurou num sorvete tentar adoçar aquele cotidiano. Quem sabe ele não teria o poder de lhe esfriar a cabeça? E mais uma vez ela ignorava ele. Estava de costas. Pra tudo. Ele ali. Ela ali. E não enxergavam... A máquina deu defeito! E apitava! Era um grito cortante e deseperador! Não ia sair sorvete, dali. E se assustaram. E se depararam. Estranharam. Questionaram. Deu defeito. Tem conserto? Depende. Vai usar como daqui pra frente? Não adianta consertar pra quebrar de novo. Mas deu defeito! Não poderia partir com uma máquina defeituosa. Ela e ele não ignoravam mais: "Você me ajuda a consertar?".

No playlist toca: "Copo d'água", (Marcelo Jeneci).

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Saudade é assim: a gente mata uma pra deixar nascer outra.

Saudade é um resquício do que foi bom. Mas se é bom porque dói tanto? Aperta e suspende o ar. Uma vez desisti de ter saudade. Mas ela não desistiu de mim; resolveu me assombrar nas fotos, inbox, horas e ausências. Se impregnou no eco do meu quarto. No oco do meu abraço. Um riso surdo no meu ouvido. E tomou conta de mim. Já não era só eu. Eu também era parte da saudade e ela era parte de mim. Dividíamos a mesma cama vazia, a mesma lágrima sentida, o mesmo suspiro reprimido. A nossa gaveta abarrotada de lembranças saindo pelo ladrão! Procuro. Vasculho. Encontro. Revejo. E parto. Com a saudade. De quem foi, de quem faz parte de mim. De quem faz parte dela. Recorto afetos e colo em mim. Só assim pra maquiar, tentar anestesiar. Levo comigo cada um que a saudade condenou ser sentido. Saudade dói porque é uma presença ausente. E uma ausência presente.

No playlist toca: "Seria o rolex", (Móveis Coloniais de Acaju).

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Papo de boneca.

Mas não procure muito que você vai achar. Um remendo, botão fora do lugar. Não sou perfeita e tenho garantia. Não adianta querer trocar. Não é defeito de fábrica. Simplesmente sou. Não adianta querer me comprar. Simplesmente estou. Não vai muito além, não. Você pode encontrar um coração. É que essa boneca é diferente: não gosta que brinquem com ela. Quer amigos, quer família, quer estrelas e utopias. Não tem dono. Ama, odeia, chora, vive. E se fascina. Descobre e reconhece. Não escolhe. Só tem fé e paciência pra continuar. Se puxar, me arranca um braço. Se forçar, destroça uma perna. E seu eu acabar perdendo a cabeça, não vai dar mais pra gente brincar. Não sou santa , nem diaba. Gosto apenas de voar. Se você remexe muito é porque nunca me amou. Então sigo colecionando meus afetos, costurando quem eu sou.

No playlist toca: Medo da chuva, (Raul Seixas).

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fértil.

Deus! Meus dedos estão mais rápidos que a imaginação...

Fogos de artifícios (baseada na música "Firework").

A mocinha andava apagada. Seguia seus passos. Cabisbaixos. Era assim por conta de uma deformidade: no meio do peito carregava uma elevação. Tinha vergonha. Escondia. Recuava. Disfarçava num maxilar forçado. Mas não sorria. Pesava. E desviava. De espinhos, pregos e dedos. Não conhecia rosas. Não conhecia retratos. Não conhecia toques ou afetos. Tinha curiosidade mas... medo: chorava pra dentro, gritava pra dentro. Até sorrir! É, ela sorria pra dentro. E a bola no peito, cada vez maior, pesava. E ela se encolhia. Se equilibrava (ao menos, tentava). Era muito pesado aquele seu mundo. Sofrido. Cruel. E entre uma curva e outra, eis que a visão é ofuscada por tamanho brilho. Tropeça. E, assim, aprende a levantar. Abre os olhos. E, assim, tenta enxergar. O rapaz lhe sorria. E lhe iluminava. O medo vindo de novo... mas já o experimentava há tanto tempo... Que tal a curiosidade?  É que o dedo dele a tocava. Fundo. No peito. Abria uma chaga. Que explodia em fogos de artifícios. E a cidade toda, iluminava.

No playlist toca: "Quermesse", (O Teatro Mágico).

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rara.

Ecoa! Segue o seu riso dominante. Com essa alegria confiante. Inabalável liberdade. Abraça. Acolhe utopias e feridas, resgata lembranças adormecidas. Transforma tuas mágoas em águas passadas. Exala toda a fé contida. Passeia pela vida. Ri de escorregões. Sequestra abraços, invade corações e pula os portões. Mistura dentro e fora. Seja a própria obra. Faça sua arte. Pinte o sete e a ninguém revele o segredo do arco-íris, que além vai encontrar. Com-paixão, recolhe o sofrimento e livra dos tormentos, entre-linhas à brincar. Segue a reta mas nunca siga à risca, moça tão arisca. Você vai alcançar. Felicidade já é tão bem vinda. Abre o peito e dá, de dentro pra fora. Pra multiplicar.

Minha casa abandonada.

No final da rua tem uma casa. Abandonada. Escura. Empoeirada. Não me atrevo a ir lá. Se passo por perto, logo quero me afastar. Os arredores são cercados de enfeites, virtuosismos. Distrações. Apagada: a luz queimada desde o último inquilino. Saiu expulso. Arrancado de um lar que não lhe pertencia. E deixou tudo bagunçado; quinquilharias empilhadas que levaram anos pra serem retiradas. Ainda acham resquícios, catam as sobras. Mas logo jogam fora. Foi uma mudança longa. Levou-se um caminhão de lembranças... Foi trancada por dentro e a placa "Aluga-se", substituída por "Indisponível". Nada habita. Não chego a ir lá. Observo. Tento tomar coragem pra me aproximar. E se doer? Se saltar um monstro com dentes e garras? Se ele me arranca daqui e me leva pra lá? Não posso. Não tento. Não penso. E fujo. Só-corro! Minha corrida retrocede, sonho. E se procuro, não acho. Estanco.  Pé ante pé. Ando. Paro. Adentro. Me perco e lá dentro, me encontro.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mãe menina.

O coração cresce até parir amor. Busca em sorrisos encantados. Teu abrigo. Engole o mundo. Vira barriga. Nove meses pra gerar. 365 dias pra girar. Dá a luz. Força, puxa, empurra, respira. Inspirando vai. Ama. Mãe sem filho que adotou o mundo.