terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Bela adormecida

Gosto de sonhos. Lá tenho encontros, lá a saudade acaba. Os meus resquícios reais se tornam irreais e um pedaço meu se descobre inexistente ao não deixar de existir. Valorizo cada ilusão dessa realidade rendida que toma pra si o inverso do pranto; lá eu danço minha harmonia com tons degradés. Grito segredos sussurrados e saboreio doces delírios que se deliciam com meu gozo por não durar. É que eu tenho hora, não posso demorar. Ele é efêmero e me faz aspirar. Cada cantinho. Que eu possa cantar. Melo-dias intermináveis que parecem não passar. Gosto de novo, esse dejavú, quando acorda em acordar. Não colo pedaços de um sonho pra outro, são egoístas, únicos na sua forma de se apresentar. Não divido porque de vida nada vou levar. Não posso dormir pra sempre porque isso seria não sonhar. Não posso controlar meus sonhos porque isso seria não desejar. Quero não deixar a vida para saber diferenciar. O que apetece do que há e, do que eu queria que houvesse. Parte desse mundo vai lá. E me traz de volta pra cá. Lá sou surpreendida, não morro. Só montanhas. Vale. À pena do que é despertar. Vivo pra (sempre) nesse mundo poder voltar.

No playlist toca: "When you kiss me", (Shania Twain).

sábado, 17 de dezembro de 2011

Climatempo

Hoje acordei lagrimosa. Assim meio dengosa sem vontade de ver lá fora. Tem vento batendo na janela mas não vou abrir. Hoje acordei com vontade daqui. Hoje acordei com vontade de ficar sem vontade, nostálgica e mal amada. Hoje acordei musicada no chorinho. Nem um sambinha, salva. Tem uma nuvem cinza lá fora. Uma nuvem negra aqui dentro. O temporal chegou antes do lado de cá. Tem água escorrendo, infiltração nas paredes. E por enquanto não vou mandar consertar.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O palhaço e a bailarina

Ele havia perdido seu nariz. Ela, a sua sapatilha. Ele não conseguia mais sorrir. Ela custava a caminhar. Pra quem sempre foi acostumada a andar nas pontas, era difícil ser pé no chão. Ele não borrava mais e ela, tropeçava o tempo todo. Sangravam. Tão vermelhos. Aqueles pés. Aquele nariz perdido. Acerca de tantas outras futilidades, nunca haviam se enxergado. Ele tão preocupado com a alegria. Ela tão preocupada com os movimentos. De não seguir. O coração? Ah, batia de acordo com o acorde. Notas ruborizadas naquele boletim jamais gabaritado. Não acertavam tudo. Não erravam nada. Ela queria sua última dança, ele queria sua última gargalhada. Uma flor de borracha que esguichava lágrimas. Já não sabia fazer sorrir; já aprendera a fazer con-doer-se. De si? Nem dó. Porque era tão mais fácil ter pena, era tão mais leve. Eram tão mais culpados do que não queriam sofrer, tão vitimizados por não perceber. O picadeiro não existia mais. A barra da bailarina estava pesada demais. Não dançavam conforme a música, não brincavam conforme o som. E deram as mãos para bailar nesse belo pas de deux. Porque enquanto ela buscava um sorriso, ele seguia seus passos.

No playlist toca: "Thought of you", (Ryan Woodward).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Talvez

Talvez não seja pecado. Te desejar, quem sabe. Não sinto mais vergonha de te imaginar em mim. Parei de parar. Talvez esse tenha sido o melhor beijo que já sonhei, o melhor toque que ainda não senti. É que eu nunca não senti medo de desejar. Você me faz ter medo. De não conseguir mais sonhar. Contigo. Comigo. E não pode ser errado. Porque eu já rabisquei a nossa história. Talvez você não perceba. Talvez eu não te deixe me olhar nos olhos. Talvez eles confessem. Talvez você saiba. Talvez, não. Não. Tenho. Certeza. De que vou te ter pra sempre. Dentro de mim. Vou guardar recortes de você. Retalhos de cada segundo contigo, não vou deixar de lembrar. Talvez nossos filhos leiam isso. Os seus filhos. Os meus filhos. Nossos. Passos caminham lado a lado mas um dia a gente se encontra? Talvez. Um dia você não deixe de ser meu farol e eu me guie por você. Talvez com a claridade percebamos que vai passar. Vai sarar. Cicatrizar. Talvez eu nunca deixe de respirar você, talvez você se encontre na palma da minha mão. Talvez um dia seu cavalo fale inglês e eu seja a noiva do caubói. Talvez eu te entrelace. Em meus pensamentos há nossa vida, talvez...

Não serve mais

Volta pra buscar o amor que você deixou aqui. Guardei no fundo da gaveta e ele empoeirou, não quero mais. Pensei polir de vez em quando mas não aguento segurá-lo. Sempre tão pesado. Não cabe em minhas mãos. Desculpa cobrar mas é que ele vem tomando espaço, preciso arrumar minhas coisas... E a verdade é que eu quero me livrar disso! Não é mais meu. Não sei também se, ainda, é teu. O que não pode é ficar solto. Um dia ele estava na moda, eu lembro. Desfilava com ele pra cima e pra baixo, exibia no meio da cara e até se não perguntassem, eu fazia questão de responder: "Meu amor é teu!". Mas, hoje em dia, não dá pra usar mais. Eu emagreci e ele não cabe mais em mim; já tentei ajustar a costura mas quanto mais eu mexo, mais ele deixa de ser o modelo que era. Então pra quê, né? Por isso, passa aqui qualquer dia pra tomar um café, conversar e levar esse entulho. Eu estou te doando o que um dia eu te dei. É que a diferença entre uma coisa e outra é que só doamos o que não nos serve mais. Então experimenta. Em você pode não estar pescando, alargando, sambando... Mas aqui não tem mais espaço, não.

No playlist toca: "Rua A", (Graveola).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Que o destino não se atreva,
agora que te vi,
me desviar.
Não posso mais, não me atrevo mais
seguir sem ter você.
São teus passos que meus pés vão seguir, na tua boca minha pele vai revelar
nossos segredos e memórias já escritas,
que eu nunca procurei mas conseguiram me encontrar.
Faz teu abraço meu chão,
me anestesia com teu cheiro,
me faz perder a razão.
Me dá um filho.
Realiza teu conto de fadas,
estou a seu dispor.
Entrelaça teus dedos nos meus, inspira o ar da minha respiração.
Escuta dentro do meu peito cada batida da tua direção.
Brinca de ser feliz comigo!
Você é eu e eu sou você;
tua maior dor,
teu maior prazer.
Entre lençóis e peles
É minha saliva no teu suor.
Não jura amor eterno
Com o "pra sempre" não se pode jogar.
Te quero como disse o poeta:
sendo eterno enquanto durar.

No playlist toca: "L'amoureuse", (Carla Bruni).

domingo, 4 de dezembro de 2011

"Foi um sonho medonho..."

Sonhei que cactos ganhavam vida e assaltavam minha casa.


No playlist toca: "Chop Suey", (System of a Down).

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Despedaço

Não me deixa. Ainda. Não aprendi a dizer adeus. Todos os dias procuro sua lembrança na minha gaveta; desde minha concepção até a última lágrima. Que rola. De um lado pro outro e não acha posição. Ora presa na garganta, ora escorrida. Não se apaga, não. Que eu me bato e debato. Comigo mesma tentando entender. É que ninguém veio aqui me dar explicação. Quando fui. Já tinha ido. Pra longe do meu abraço. E consciência. Não quero me entregar sozinha. Não quero levantar meu véu. Quero ser fotografada. Por essa tua alegria de me amar. Acima de tudo. De me adorar e adornar. Com teus carinhos, mimos, compreensão e orgulho. D'eu ter me tornado o que sou. Parte de você. E despedaço. Deixo por aí minhas partidas. Não sei se aguento chegar. Tantas mãos se estendem: seguro em todas pra achar você. Abarroto de esperança que você vá voltar. Em outra parte. De mim. Gerada. Girando. Umbilicando mais uma vez.

No playlist toca: "Epílogos e finais", (Agridoce).

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aos súditos.

A rara princesa desceu de sua torre. Buscou conhecer tal reino. Tão tão distante. Ela tinha perdido um pedaço seu. Aos poucos, aquele povoado foi desvendando seus olhos: eram seres encanta-dores. E faz cicatrizar. Não podia abrir mão. Embora, ora resistentes, ora acolhe-dores. E faz anestesiar. Ela tinha perdido um pedaço seu. E jamais voltaria a encontrar. Seu rei. Sua coroa. Em seu efêmero castelo. De areia. De "Copacabana". Sobreviveu àquela roda. Ainda que tenha perdido um pedaço seu. O mundo continuava a girar colocando tudo no lugar. Que era tão tão distante da côrte e do corte. E agora tão súdita, reveren(ans)ciava aqueles que insistiam em lhe en-cantar: "Não tema, esse é o reino da alegria".

"Deixe-se acreditar", (Mombojó).

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Eu quero ficar sozinha

Entre meus pensamentos e lembranças. Sentir ficou pesado desde que abri mão de não me importar; querer ficou difícil desde que conseguir ficou impossível. E entre esses recortes, eu acho um pedaço meu. Que ficou lá atrás. Antes de você. Já não me reconhecia mais sem juntar as peças e; pensamentos vis, ilusões macabras faziam de uma realidade fantasiosa. Prazer. Eu me chamo... Mas não escuto além de um eco ôco que insiste em me fazer companhia. Mas é que não preciso mais de companhia. Não quero precisar. Quero deixar de ser quem sou pra ser o que eu quero ser. Quero ser menos lá e mais cá. As vezes, um amor platônico tem mais serventia que um risco certeiro. E eu não quero acertar. Sempre. Fui torta. E você, pedaço meu, se perdeu. Se esquivou? Teve medo? Ou só não quis. A gente não explica quando não quer. A gente só não quer. Mas quando a gente quer. Que estraga tudo. Que desanda a mão. Dá a tua. Segurança. E me larga. Forte. Pra eu não voltar mais, não te querer mais, não te precisar mais. Porque embora eu precise, eu não quero ficar sozinha.

No playlist toca: "Quem vai dizer tchau", (Nando Reis).

domingo, 13 de novembro de 2011

Um dia, quem sabe.

E no meu conto você chega disposto a me arrebatar; me afoga em teus olhos, suspende meu ar, inspira meu sopro de vida. Vai escrevendo na minha pele nosso caminho. Torto. Cheio de longos atalhos perdidos. A gente leciona amor, prega felicidade e gera afeto. Na minha historia não existe final mas, começo feliz. A gente não adoece ou compadece. A gente cede porque diferencia se completando. A gente joga e não julga. A gente aceita e aprende. No meu sonho a gente não acorda, a gente desperta. Irradia. Acalenta. A gente acolhe se colando pra dar colo. Na minha ilusão você me gosta e eu te gosto. E isso basta.

No playlist toca "Exato momento", (Zé Ricardo).

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Até logo mais

Eu rio de mim todas as vezes que penso em você. Não achei que conseguiria ser tão cruel à ponto de me inverter pra achar você. E toda vez que tento não pensar, me lembro que não posso esquecer. Porque ficou impregnado na minha pele, ficou manchado no meu pensamento e cicatrizado na minha alma. Você não ajuda com essa mania de encaixe perfeito em mim. Desejando a lembrança de quando funde tuas mãos nas minhas costas, desliza os dedos segurando meu quadril me fazendo segura. Do desejo, tesão, querer. Carinho. Ficou ôco o desejo de lembrança do que não foi. Anestesiou. E não saio do lugar. Entre passado e futuro, esqueço de me presentear. Não sei quem sou com o "sem você"; tua ausência me faz companhia, vem me completando. A personificação dela, sobraria. Não te quero mais. Quero a imaginação porque nela sou feliz. Incompletamente feliz.

No playlist toca: "Nunca", (A banda mais bonita da cidade).

terça-feira, 11 de outubro de 2011

As vezes suspendo...
Alguns segundos e (eu não existo)
Sou nada.
E posso ser tudo.


No playlist toca: "All Star", (Cassia Eller).

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Máquina de sorvete

Ela vinha imersa em seus pensamentos. Perdida em suas preocupações. Mundinho frustrante. Não percebeu quando ele atravessou em sua frente. Fugia. Cada vez mais pra dentro. Os degraus acolhedores de suas reclamações, a expulsavam. Era tão cotidiano sentar em frente ao Municipal e ficar chorando as pitangas. A vida passava ali. As vezes acenava pra ela. Mas ela nunca acenava de volta. Não era muito sociável. Não gostava de se misturar, conhecer ou reconhecer. Estava muito ocupada contando as mazelas da sua existência. "Ó tragédia grega que não cessa! Por que não me expulsa desse mundo?", pensava num sorriso torto. Procurou num sorvete tentar adoçar aquele cotidiano. Quem sabe ele não teria o poder de lhe esfriar a cabeça? E mais uma vez ela ignorava ele. Estava de costas. Pra tudo. Ele ali. Ela ali. E não enxergavam... A máquina deu defeito! E apitava! Era um grito cortante e deseperador! Não ia sair sorvete, dali. E se assustaram. E se depararam. Estranharam. Questionaram. Deu defeito. Tem conserto? Depende. Vai usar como daqui pra frente? Não adianta consertar pra quebrar de novo. Mas deu defeito! Não poderia partir com uma máquina defeituosa. Ela e ele não ignoravam mais: "Você me ajuda a consertar?".

No playlist toca: "Copo d'água", (Marcelo Jeneci).

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Saudade é assim: a gente mata uma pra deixar nascer outra.

Saudade é um resquício do que foi bom. Mas se é bom porque dói tanto? Aperta e suspende o ar. Uma vez desisti de ter saudade. Mas ela não desistiu de mim; resolveu me assombrar nas fotos, inbox, horas e ausências. Se impregnou no eco do meu quarto. No oco do meu abraço. Um riso surdo no meu ouvido. E tomou conta de mim. Já não era só eu. Eu também era parte da saudade e ela era parte de mim. Dividíamos a mesma cama vazia, a mesma lágrima sentida, o mesmo suspiro reprimido. A nossa gaveta abarrotada de lembranças saindo pelo ladrão! Procuro. Vasculho. Encontro. Revejo. E parto. Com a saudade. De quem foi, de quem faz parte de mim. De quem faz parte dela. Recorto afetos e colo em mim. Só assim pra maquiar, tentar anestesiar. Levo comigo cada um que a saudade condenou ser sentido. Saudade dói porque é uma presença ausente. E uma ausência presente.

No playlist toca: "Seria o rolex", (Móveis Coloniais de Acaju).

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Papo de boneca.

Mas não procure muito que você vai achar. Um remendo, botão fora do lugar. Não sou perfeita e tenho garantia. Não adianta querer trocar. Não é defeito de fábrica. Simplesmente sou. Não adianta querer me comprar. Simplesmente estou. Não vai muito além, não. Você pode encontrar um coração. É que essa boneca é diferente: não gosta que brinquem com ela. Quer amigos, quer família, quer estrelas e utopias. Não tem dono. Ama, odeia, chora, vive. E se fascina. Descobre e reconhece. Não escolhe. Só tem fé e paciência pra continuar. Se puxar, me arranca um braço. Se forçar, destroça uma perna. E seu eu acabar perdendo a cabeça, não vai dar mais pra gente brincar. Não sou santa , nem diaba. Gosto apenas de voar. Se você remexe muito é porque nunca me amou. Então sigo colecionando meus afetos, costurando quem eu sou.

No playlist toca: Medo da chuva, (Raul Seixas).

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fértil.

Deus! Meus dedos estão mais rápidos que a imaginação...

Fogos de artifícios (baseada na música "Firework").

A mocinha andava apagada. Seguia seus passos. Cabisbaixos. Era assim por conta de uma deformidade: no meio do peito carregava uma elevação. Tinha vergonha. Escondia. Recuava. Disfarçava num maxilar forçado. Mas não sorria. Pesava. E desviava. De espinhos, pregos e dedos. Não conhecia rosas. Não conhecia retratos. Não conhecia toques ou afetos. Tinha curiosidade mas... medo: chorava pra dentro, gritava pra dentro. Até sorrir! É, ela sorria pra dentro. E a bola no peito, cada vez maior, pesava. E ela se encolhia. Se equilibrava (ao menos, tentava). Era muito pesado aquele seu mundo. Sofrido. Cruel. E entre uma curva e outra, eis que a visão é ofuscada por tamanho brilho. Tropeça. E, assim, aprende a levantar. Abre os olhos. E, assim, tenta enxergar. O rapaz lhe sorria. E lhe iluminava. O medo vindo de novo... mas já o experimentava há tanto tempo... Que tal a curiosidade?  É que o dedo dele a tocava. Fundo. No peito. Abria uma chaga. Que explodia em fogos de artifícios. E a cidade toda, iluminava.

No playlist toca: "Quermesse", (O Teatro Mágico).

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rara.

Ecoa! Segue o seu riso dominante. Com essa alegria confiante. Inabalável liberdade. Abraça. Acolhe utopias e feridas, resgata lembranças adormecidas. Transforma tuas mágoas em águas passadas. Exala toda a fé contida. Passeia pela vida. Ri de escorregões. Sequestra abraços, invade corações e pula os portões. Mistura dentro e fora. Seja a própria obra. Faça sua arte. Pinte o sete e a ninguém revele o segredo do arco-íris, que além vai encontrar. Com-paixão, recolhe o sofrimento e livra dos tormentos, entre-linhas à brincar. Segue a reta mas nunca siga à risca, moça tão arisca. Você vai alcançar. Felicidade já é tão bem vinda. Abre o peito e dá, de dentro pra fora. Pra multiplicar.

Minha casa abandonada.

No final da rua tem uma casa. Abandonada. Escura. Empoeirada. Não me atrevo a ir lá. Se passo por perto, logo quero me afastar. Os arredores são cercados de enfeites, virtuosismos. Distrações. Apagada: a luz queimada desde o último inquilino. Saiu expulso. Arrancado de um lar que não lhe pertencia. E deixou tudo bagunçado; quinquilharias empilhadas que levaram anos pra serem retiradas. Ainda acham resquícios, catam as sobras. Mas logo jogam fora. Foi uma mudança longa. Levou-se um caminhão de lembranças... Foi trancada por dentro e a placa "Aluga-se", substituída por "Indisponível". Nada habita. Não chego a ir lá. Observo. Tento tomar coragem pra me aproximar. E se doer? Se saltar um monstro com dentes e garras? Se ele me arranca daqui e me leva pra lá? Não posso. Não tento. Não penso. E fujo. Só-corro! Minha corrida retrocede, sonho. E se procuro, não acho. Estanco.  Pé ante pé. Ando. Paro. Adentro. Me perco e lá dentro, me encontro.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mãe menina.

O coração cresce até parir amor. Busca em sorrisos encantados. Teu abrigo. Engole o mundo. Vira barriga. Nove meses pra gerar. 365 dias pra girar. Dá a luz. Força, puxa, empurra, respira. Inspirando vai. Ama. Mãe sem filho que adotou o mundo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Contos de fadas.

Embora sua trança vermelha despencasse lá de cima, não ousava descer daquela torre. Enxergava o mundo através das lágrimas, espelho da autocrítica, medo. Desvelo. Zelo? A coragem ficava guardada dentro de uma caixinha de tocar; ora aberta, ora escondida. Nunca movida. O vento batia mas ela não deixava entrar. Algumas vezes, os fantasmas fotografados em seu mural, pen drive e camarfeu, vinham lhe assombrar. Não permitia medrar, não permitia recuar. Mas não ia adiante. Não se movia. Estabilizou num momento que não recordava mais, que não buscava. Abria os braços em prece. Talvez alguem escutasse seus murmúrios tão tímidos, tão tristes, tão recordáveis. Entre gavetas, recortes, cadernos, se metia. Sabia do mundo e o mundo, dela, não sabia nada. Se sentia injustiçada por não ser buscada, procurada, reivindicada pelo príncipe encantado. Toda noite, o sono eterno vinha lhe visitar. E o beijo do despertar lhe era prometido.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Amputada.

Nasci dali. Ramificada, era uma parte do todo. Crescendo e entrelaçando, sempre erva daninha. Aquela que agarra e prevalece umbilicada. Apoiada naquela raiz, seguia. Velada, adorada, princesa, fotografada. Passo a passo pregava peças, recordações, tatuava afeto. Um amor tão profundo quanto a dor. Que se parte e se soma na divisão. Amor que não se despede. Amor que não deixa. Amor que distancia e aumenta. Amor. A benção de boa noite é substituida pela lágrima. "Benção, meu pai. Deus te abençoe, Santo Antonio te proteja", amém.

No playlist toca: "Da entrega", (O Teatro Mágico).

sábado, 18 de junho de 2011

Paradoxal

Finjo que não sinto. Acredito que não sei. Faço de conta que tudo vai terminar bem. Bambeio. Creio. E me apego. Aos fatos, fotos e afetos. Destilo essencia. E à flor da pele, sigo. Vou cada vez mais pra fora, desapegando daqui de dentro, expurgando o "novo eu". Paro pra pensar. Paro pra sentir. Paro pra dar. A vida que nasce de mim, parida e despreparada. Abuso das minhas crenças. E me agarro na fé: das preces, santinhos, terços e pulseirinhas do senhor do bonfim. Vela pra acender. Vela pra pedir. Vela pra oferecer. Vela por mim? É que eu não tenho essa mania de desistir. Se eu machuco, não é por mal. Não me ensinaram a recuar, não aprendi a fraquejar. Desaprendi a chorar. Exorcizo entre notas e versos, de um jeito inverso do que sou. Vou me apresentando todos os dias, não quero gostar. Uma menina que nunca foi boa coisa. Sempre foi diferente, nunca conseguiu sê-mar. Entre dedos, escorre; entrelinhas, descobre. Transito abaixo do que quero, acima do que fui. Sou inteiro. Nunca meio. Desafio-me. Desvendo, desvelo e relevo. Cada dia acordo e... finjo que não sinto, acredito que não sei e faço de conta que tudo vai terminar bem.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Alegria


Se apossou de mim. Numa esquina qualquer ia virando e me pegou de surpresa. Partiu antes d'eu perceber. É desfrute. Não renove, inove! Elaboro novos caminhos para tê-la mais uma vez. Perto. Desperto. E parto. Não me espanto. Surpreendo-me com a chegada, não entristeço com sua partida. É idílica. E arrebata. Com toda força que a delicadeza pode empregar. Roda a saia da vivacidade envolta dos desejos enquanto sua bainha transita pelo abismo da entrega. Seja. Conto seus encantos incontavelmente inabaláveis, faísca doce que queima até lagrimar. Gozo diante dos sorrisos que me cativam, são afetos pendurados na parede da minh'alma. São resquícios do que por um momento se eternizou belo. Foi sublime. Foi fulgaz. Foi sempre que ficou.

No playlist toca: "Consciência- o que foi... o que pode ser", (Galdino).

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Aposta

Seguro a cabeça entre as mãos. Parece que vai explodir. Tudo gira. Estou numa grande ciranda de mim mesma, dou minhas mãos. Tonteio, cambaleio, envergo e nunca quebro. Sei que gosto de testar meus limites. Não sei até onde pode ser venenoso. Bebo cada gota dessa cura maldita. São palavras. Expurgo fantasias e recolho fantasmas acolhedores. Cada passo, toque e respirar vai pro lado de lá. Não conservo nada de mim, não esqueço. Guardo cada pedacinho do que foi como presente. Vivo lembranças. Tento transformar momentos em eternos. Partilho o que não tenho e me sirvo de mim mesma. Não encontro o que vim procurar. Acho aquilo que não perdi. E mudo o trajeto. Não busco atalhos. Sempre gostei do mais difícil, do mais sofrido, do mais visceral. Grito pra dentro, assim ninguem escuta o pedido de socorro. Assim finjo não existir. Não falo em voz alta pra não se realizar. Vai que um anjo passa e sopra... Gozo de agonia e breu. Parto em duas: de um lado sou trevas, do outro sou luz. De um lado, cruel. Do outro compaixão. Daqui, fel. Dali, moscatel. Eu me seguro pra não cair, não aposto no que é certo pra não perder essa mania de adrenalinar. Sou iniciante no meu jogo. Parece que vou perder se ganhar. Espero não conseguir.

No playlist toca: "Sirena", (Sin Bandera).

domingo, 15 de maio de 2011

Querida amiga,

            melhor chamá-la assim já que nunca fostes mais que isso. Vim por meio desta carta lhe dizer: desista. Não sei bem como não ser cruel, ou até mesmo grossa mas é que... não é você. Nunca foi. Você nunca serviu pra esse tipo de coisa. Você é escada, talvez uma distração. Uma pausa! Muito boa pra se magoar mas nem tanto para tentar amar. Inúmeras vezes tentei te avisar. Sim, através de sinais, certo. Mas não percebestes? Depois de tantos tombos como ousa pensar em voar? Não tens asas, minha cara. Tens raízes. Raízes fortes. Pés no chão, praticidade, tronco forte essa tua árvore. Boa para se apoiar, boa para deitar, se esticar. Não mais que isso. E não ouses chorar porque você também não foi feita para isso. Choras feio. Tem pessoas que lagrimam lindamente. Não é teu caso. Teu silêncio grita no peito, não contens os urros, grunhidos e tapas. Tão violenta, você. Viu, agora, como o problema é sempre você. Nunca eles. Serves para amar, não para ser amada. Não é drama, não. Rapara bem. Reavalia teu caminho e enxerga se minto. Teus amigos te amam? Teus amores te correspondem? Teus pais sopram teus machucados? Por que não se contenta com o que tens? É você por você. És flor despetalada, nunca desabrochada. Poderia ser paca: tecer teu passado, presente e, provavel, futuro. Mas me atenho até aqui. É um aviso de quem te ama. Talvez da única pessoa que te quer bem. Ou, ao menos, conservada.

Atenciosamente,
eu.

No playlist toca: "Te vi venir", (Sin Bandera).

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Desacelera, meu bem.

Desacelera, meu! Bem, tento pular as circunstancias e chegar ao resultado, sempre me deparo com a impossibilidade de não fazer o caminho demasiado sofrível. Notas cantam na minha janela, batem no meu peito e dão adeus. Quem se afeta por tudo, não se afeta por nada. E chega o momento que nada afeta  e implodo. Tantas feridas abertas, anestesiam a sensibilidade. Minha percepção tão defasada, minha alegria tão fingida e minha tristeza tão morta. Fazem parte de um retrato empoeirado. Suspendo! Enxergo cotidianamente em câmera lenta. Tudo lento. Ta-Lento! Emergi. Respirei. Tudo tão naturalmente novo. Tão estranhamente inédito. Volto aqui pra dentro e acendo a luz. Avisto um espelho. E me vejo: descabelada, suada, machucada. Dor. Que alegria sentir dor! Que felicidade escutá-la! Tanto tempo que, em meio a tanto barulho, o silêncio se fez tão alto. Abro a caixa de sonhos. Realejo. Revejo minha sorte. Desprendo. Deixo correr solto o destino pelas mãos. Tanto tempo dentro de uma tragédia grega que desaprendi a chorar; sou uma cachoeira. Deveria soar engraçado. Não é. E nunca foi tão feliz ser triste. Uma mordida na maçã pra voltar ao meu paraíso, um dos três desejos concedidos. Eu me perco em palavras e prateleiras. E me encontro em pó. Pureza casta que ainda não moldaram, queria voltar a ser. Calejada, acho graça das inocências que me julgam carregar no sorriso do olhar. Eu passo, acham graça. Acho graça. E me despeço. E respiro e enxergo. E revelo. Pra mim, eu me revelo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Decepção.

Despedacei. Caí de um altura de todos os metros. Recolho cada pedacinho pra tenta reinterar. Completo mas rachado, não é mais belo. Ficou fosco, perdeu o valor. Espatifei. Só vou me apegando à pegadas apagadas e mal pagas. Virei o rosto e tomei um tapa. Fui dar um beijo que nem mamãe mandou. Os monstros debaixo da cama crescem junto comigo. Se nomeiam: crueldade, traição, hipocrisia. Tão pouca fé no coração. Continuo me catando em cada esquina. Eu me perdi. Cadê o chão? Ficou bambo esse desequilíbrio. Entrou nas costas, soube como cravar. E foi ruindo. Escorrendo. Se desfez. Adeus é uma distância tão pequena de você.

sábado, 16 de abril de 2011

Desparida quero ser.

Força, puxa. Pára. Força, mais força. Pára. Dois segundos e... Força, força... Parida parei nesse mundo. Respiro dentro de um agudo choro tento me apresentar. Oi, mundo. Cheguei depois de tanto nadar lá dentro. Ora apertada, ora expansiva, dava murros e pontapés. Cortam o cordão umbilical, sou parte oficial, agora. Uma pequena parte desse universo todo. Abro os olhos. Não entendo... Peraí! Estão queimando mulheres ali... Ninguem escuta meu grito sufocado dentro da câmara de gás com mais de um milhão de judeus. Alguem escutou meu choro no pau de arara quando insistiam em perguntar onde estavam os comunistas? Como eu vim parar aqui? Por que me colocaram aqui? Pra que nascer? Só vim dar um recado que mandaram: "Amai-vos uns aos outros" mas parece que um cara já veio falar há uns dois mil anos e foi crucificado por causa disso... Eu não. Não dou jeitinho. Não me escondo mas também não me desvendo. Não dá pra me mandar de volta que nem devolução de produto no mercadinho? Não dá pra coisificar ou reinventar? É que não me mandaram com manual ou mapa pra me encontrar, só disseram "vai lá e vive". "Sobre vive". Tô tão contaminada que não tenho coragem de voltar, é torturoso por demais. Ei, cadê a humanização dos intelectuais? Tanta gente inteligente que ainda não inventaram uma máquina de sentir? De afetos, puros, apurados e despudorados. Eu não quero entender, não pedi pra entender. Não pedi pra vir ao mundo! Mas me animaram tanto e me queriam tanto. Os monstros do meu armário de 6 anos nem eram tão assustadores assim, percebo. Ao contrário do poeta quando morrer, não quero ficar. Recolham cada pedacinho meu e desapareçam com tudo, não deixem nada. Nem pó. Quero romper. Quero ir pra não voltar. E eu vou, olha que eu vou! Acabou. Mais uma vez abro os olhos e, decido ir inspirando um dia de cada vez respirando.

No playlist toca: "Perto de você", (Fernando Anitelli).

domingo, 10 de abril de 2011

Presa aqui fora.

Você taí? É que eu não te escuto, fiquei presa lá fora. Talvez se eu voltasse outra hora, te encontrasse fora de casa. As paredes continuam geladas e a luz apagada? É que eu não paguei a conta. Foi tudo acumulando e quando percebi eu me afoguei. Em contas, contos, descontos e emails. Nem meio pedaço e nem inteiro. Já não existe mais. Ficou num retrato longíquo do que seria. Foi medo, desengano, acalanto ou encanto? A gente não sabe quando se quer pouco e se perde em tanto. Eu fiquei. Esperei com a porta aberta. Nem quando bateu o sereno eu fechei. Costurei cada rasgo de lágrima, cada bainha de dor. E os lençóis continuaram dobrados mas você não veio me cobrir. É que ficou frio de repente, já não sei usar o aquecedor. As vezes eu me "microondo" pra tentar enganar: aquece de dentro pra fora. Breve mentira que mantém a pouca sanidade dentro de uma variação e humores, rumores, devaneios que desistiram de me perseguir. Agora eu é que persigo eles. É que, talvez, só assim eu ainda consiga manter, rever, lembrar, reter. Tudo escorre entre meus dedos feito areia. Meu equilíbrio, juventude, velhice e pobre idílio que insiste em se apoiar naquele batente. Desmorrendo aos poucos e eu to meio cheia, um pouco vazia. Quais as partes que prevalecem em mim só Deus sabe! O que eu ainda quero? Nem eu mais sei! Porque quando a gente encontra um pedaço perdido onde não foi procurar percebe que nem sempre fez o caminho de ida.

 No playlist toca: "Tudo diferente", (Maria Gadú).

domingo, 3 de abril de 2011

Três Marias(dedicado às minhas Marias).

Uma caiu no mar, uma caiu na terra, outra caiu no ar. Eram divinas, tinham sido encomendadas  no céu, talhadas à mão e inexoravelmente destinadas umas as outras. Eram pouco mais que duas e muito menos que seis, formando o total de três. Maremoto, terremoto e furacão. Era o que causavam separadas e caídas. Se perdiam, se procuravam, se machucavam e feriam. Era profundo, era deserto, era vácuo. A fome não era saciada, nem os lamentos recolhidos. Não tinha remédio que curava, não tinha veneno que matava. Se precisavam porque separadas de nada adiantava. Que poder tão grande e simples podia conter aquelas três quando se descobriram e se reconheceram: era uno. Claro e embaralhado. Tudo para elas era revelado, aos outros, um tanto embaçado. Suas palmas se encontraram quando seus destinos se cruzaram. Se entederam quando mais nada era explicado. Caminharam quando os céus lhes foram designados. E uma explosão de cumplicidade as elevaram. Voaram. Voltaram. E lá entre as estrelas, as três Marias se encaixaram.

No playlist toca: "Suave", (Jorge Vercillo).

terça-feira, 29 de março de 2011

"Abraçando a dor é assim que eu tô..."

Entra, senta aí. Quer um café? É que a sua companhia preenche cada canto vazio, dilui cada expectativa e me abraça por inteira. Você gosta de se impregnar em mim. Eu só não sei até que ponto eu desgosto de você, já se tornou tão cotidiano, tão inerente você em mim. Pertenço a um tempo que a solidão é solidária, juro que sim! Eu só não sei até que ponto gosto de você, pra querer me livrar assim de algo que é pedaço meu. A gente sempre se entendeu. Nunca se gostou mas sempre se entendeu. E sua estadia aqui em casa sempre se estendeu. Não é que eu queira me livrar de você mas é que eu preciso de mais espaço. Não é que você não tenha mais serventia mas é que eu não sei mais como te usar: de ponta a cabeça, de ladinho, de frente, por cima e por baixo. Todas as posições conhecemos, experimentamos e rotulamos como "nossas". E quando você chega, meio de surpresa, lateja e potencializa em mim. Você se canaliza e eu não consigo respirar. É que você já me deixa tão anestesiada que confudo minhas vontades com seus quereres. Eu te tranco mas você sai, eu cozinho e você come. Se alimenta de cada essencia de perjuro que não vou voltar atrás. E usa contra mim! Gosta de saber que sempre tem razão, paga seu aluguel assim. Desculpa, não posso ficar mais. Tenho que ir, não moro mais aqui. Senta e toma seu café. Sinta-se em casa, dor.

No playlist toca: "Naquela estação", (Adriana Calcanhoto).

domingo, 27 de março de 2011

Depois de lá.

Aqui no limite do mundo o céu é meu teto, a areia minha cama. Tento alcançar estrelas bailarinas que caem de encontro ao mar, presságio de desejo concedido. A brisa, tão carinhosa, ora dança com meus cabelos, ora tenta me elevar até o pensamento. Ela é cumplice e prima da solidão. É que chorar se tornou tão corriqueiro que as vezes nem me percebo afogada. Não dói, anestesiou. Vislumbro alegrias que nunca foram minhas, cópias de lembranças que um dia busquei e não achei. Se você um dia chegar é capaz de não me achar; é que nem sei se sou de verdade. Daqui de cima, tudo é tão pequenininho, medíocre, desimportante que já não interessa mais os anseios, qualidades, obliquidades, sonoridades. E lá no horizonte, amanhece. Todas as cores se misturam à minha retina, se fundem com minha pele. Escutou o silêncio? Fez-se capaz de queimar pra sentir? Tem coragem de mudar? Então vem comigo. Pulei.

No playlist toca: "Samba de ir embora só", (Fernando Anitelli).

quarta-feira, 23 de março de 2011

Flores secas.

Recebe essas flores secas em agradecimento ao meu amor que devolveu.

 No playlist toca: "A primeira semana", (O Teatro Mágico).

Faxina.

Esse silêncio que grita entre as prateleiras e essa mania da poeira de irritar; tenho que remexer nos livros. Tenho que remexer aqui dentro. É que tá tudo tão bagunçado, vou jogar esse liquidificador fora. Vou trocar de travesseiro, esse não aguenta o peso dos meus pensamentos. As lágrimas embaçam a vista da janela, confudo faróis com estrelas. Retratos são vidas engessadas que espatifei, não quero mais aguar na lembrança; não quero mais viver no que não foi, não quero saber o que teria sido. Eu não quero tantas coisas e tá tudo bagunçado. E esse apego entulhado no meu armário? O que eu faço com os saltos altos que não me elevam a lugar algum? A poeira se impregnou nessas paredes geladas, que mania de irritar! As janelas dão vista pra lugar nenhum, vou me perder entre as cortinas e quem sabe não perco o caminho de volta? Quem sabe eu acho do outro lado o que eu perdi aqui? É que tá tudo bagunçado, tudo tão empoeirado, já é antiga essa mania de irritar. Quem sabe eu não durmo no pé da cama e acordo em pé de guerra?! É que vai ser uma luta arrancar essa poeira impregnada com mania de irritar. Dentro das gavetas acabei achando o que não vim procurar: óculos, binóculos, monólogos, cartas, descartas, gravações, orações, esperança, marias, escritos, promessas empoeiradas que me fazem esperar dentro dessa mania de irritar.

No playlist toca: "Eu não sou Chico mas quero tentar" (O Teatro Mágico).

sábado, 19 de março de 2011

Palavreadora.

Palavreadora! Foi assim que ela nasceu. Foi assim que ela cresceu. E foi assim que ela não parou. Seu dom era uma maldição. Ela conhecia todas as palavras. A palavra conhecia toda ela. A língua era incontrolável e seus dedinhos eram indomáveis. Seus devaneios saiam pela boca, saltavam pelos ouvidos, escapavam pelo nariz, fugiam pelo umbigo... Sua cabeça afundava travesseiros, as folhas nunca em branco, o silêncio nunca preenchido. Era irresistível a vontade de existir entre textos, subtextos, versos e in-versos. Se escondia entrelinhas, nunca fora. Fazia de cada livro, um degrau. Ela queria estar sempre à espreita, pronta pro bote em busca da palavra perfeita. Ela agarrava e engolia. Era dela, se fundiam. Palavreadora... Era ela que paria, dava sentido, dava a vida. Era ela que encorpava, que exalava, encaminhava. Era dela. E ela era da palavra. Era de palavra.

No playlist toca: "Deve ser" (Jorge Vercillo).